O crescente reconhecimento da Teoria da Perda de Uma Chance no Brasil
Autora: Bruna Cabral Vilela. Advogada Sócia do Escritório Alexandre Vitorino Advogados.
A Teoria da perda de uma chance é tema cada vez mais explorado nas decisões proferidas pelos Tribunais Pátrios, sobretudo pela evolução do instituto da responsabilidade civil no direito brasileiro.
Sua origem histórica é proveniente do direito francês, no final do Séc. XIX, onde surgiu a expressão perte d’une chance. Mas foi na Itália que ganhou importância e foi objeto de estudo doutrinário aprofundado, com ênfase na obra Diritto Civile Italiano de Giovani Pacchioni.
No Brasil, a teoria não foi abordada quando da elaboração do Código Civil de 2002; entretanto, com base no direito comparado e inspirados na doutrina francesa e italiana, a doutrinária e a jurisprudência avançam diariamente na aplicação da nova modalidade de responsabilidade civil, apesar de ainda estarem longe de um consenso.
Em linhas gerais, a teoria da perda de uma chance é caracterizada pelo desaparecimento da probabilidade de obter lucro ou de evitar um prejuízo, em virtude de conduta alheia.
A responsabilidade civil, por sua vez, estará demonstrada se presentes os pressupostos do instituto, dentre eles, a conduta do agente, qualificada pelo dolo ou culpa, a existência de um dano, nesse caso suposto, e o nexo de causalidade entre eles.
Ressalta-se que uma das maiores dificuldades dos tribunais para o reconhecimento da responsabilidade está na diferenciação da perda de uma chance com a reparação de danos hipotéticos e eventuais.
De fato, a mera alegação de dano baseado em incertezas não merece tutela. No entanto, o contexto da perda de uma chance pressupõe a existência de dano certo e atual, baseado em real possibilidade de ganho ou de evitar perda.
Nesse sentido, a Min. Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça ponderou que “a adoção da teoria da perda da chance exige que o Poder Judiciário bem saiba diferenciar o ‘improvável’ do ‘quase certo’, bem como a ‘probabilidade de perda’ da ‘chance de lucro’, para atribuir a tais fatos as consequências adequadas”. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça [2012]).
A mesma linha de raciocínio está registrada nas ementas dos mais recentes julgados do colendo Superior Tribunal de Justiça. Vejamos:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ALEGADA OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. DEMORA NO CUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL, QUE CONDENARA O MUNICÍPIO E O ESTADO DO RIO DE JANEIRO, AO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. MORTE DO PACIENTE. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM QUE, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS, CONCLUIU PELA RESPONSABILIDADE DE AMBOS OS ENTES PÚBLICOS, BEM COMO PELA PRESENÇA DOS REQUISITOS ENSEJADORES DO DEVER DE INDENIZAR. VALOR DOS DANOS MORAIS. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
(…) II. Na hipótese, o Município do Rio de Janeiro, ora agravante, e o Estado do Rio de Janeiro, com fundamento na denominada teoria da perda de uma chance, foram condenados, de forma solidária, ao pagamento de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), a título de indenização por danos morais, decorrentes da demora no cumprimento da obrigação de fornecer medicamentos, determinada por decisão judicial, o que ocasionou a morte do marido da parte autora, ora agravada.
III. Com efeito, “a jurisprudência desta Corte admite a responsabilidade civil e o consequente dever de reparação de possíveis prejuízos com fundamento na denominada teoria da perda de uma chance, “desde que séria e real a possibilidade de êxito, o que afasta qualquer reparação no caso de uma simples esperança subjetiva ou mera expectativa aleatória” (STJ, REsp 614.266/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe de 02/08/2013). No mesmo sentido: STJ, REsp 1.354.100/TO, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 06/03/2014; STJ, REsp 1.308.719/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 01/07/2013).
IV. No caso, as instâncias de origem, com fundamento no conjunto fático-probatório dos autos, reconheceram a responsabilidade de ambos os entes públicos, bem como a presença dos requisitos ensejadores do dever de indenizar, pela perda de uma chance, já que a demora no cumprimento da decisão judicial, que determinara o fornecimento de medicamento imprescindível à mantença da saúde do paciente, reduziu a sua possibilidade de sobrevida. Conclusão em contrário encontra óbice na Súmula 7/STJ. Precedentes do STJ. (…)
(AgRg no AREsp 173.148/RJ, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2015, DJe 15/12/2015)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC) – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – ERRO MÉDICO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO HOSPITAL – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO AGRAVO. INSURGÊNCIA DA RÉ.
- É plenamente cabível, ainda que se trate de erro médico, acolher a teoria da perda de uma chance para reconhecer a obrigação de indenizar quando verificada, em concreto, a perda da oportunidade de se obter uma vantagem ou de se evitar um prejuízo decorrente de ato ilícito praticado por terceiro.
- Nos termos da jurisprudência dessa Corte, incide o óbice da súmula 7/STJ no tocante à análise do quantum fixado a título de compensação por danos morais quando não configurado valor ínfimo ou exorbitante.
- Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp 553.104/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 01/12/2015, DJe 07/12/2015)
Mediante análise dos mencionados julgados, podemos citar, ainda, como mais um dos avanços na teoria da perda de uma chance, o reconhecimento da caracterização da responsabilidade civil em casos de negligência de profissionais liberais, que possuem obrigação de meio, mas não de resultado. Ou seja, não há a obrigação do resultado, mas devem conduzir um trabalho com toda a diligência e de acordo com a melhor técnica de sua profissão.
Desse modo, concluímos que a teoria da responsabilidade pela perda de uma chance vem ocupando, gradualmente, espaço na jurisprudência pátria. O instituto evolui com a dinâmica da sociedade, e o dano causado pela chance reclama uma resposta, a fim de indenizar a vítima pelo prejuízo suportado.
Vale frisar, finalmente, que a legislação civil brasileira possui uma cláusula geral de responsabilidade civil, optando pela adoção do princípio da reparação integral do dano.
Nosso sistema de responsabilidade civil, assim, é perfeitamente compatível com o instituto, a exemplo do que ocorre em outros países, especialmente França, Itália e Estados Unidos da América, uma vez que a legislação pátria optou por desviar o foco da reparação civil, da conduta humana, para a necessidade de reparação integral do dano, protegendo dessa forma, a vítima.
Referências
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (2012). Perda da chance: uma forma de indenizar uma provável vantagem frustrada.
SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009.
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. v. 4. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2012.